Em frente a meu computador, começo agora a escrever a história de Helena e Halina, já que depois de uma década em que a casa onde elas moravam estava fechada, eu a comprei, através de um leilão de imóveis desapropriados. Na verdade, eu estava cansada da cidade grande e aquela casa fechada, numa cidade histórica do interior de Minas Gerais, despertou meu interesse. Pelo aspecto antigo e pelo preço muito baixo.
Meus móveis estão sendo postos nos devidos lugares e eu estou aproveitando para conhecer melhor a casa. Então eu acabo por encontrar uma caixa. O que me impressiona no fato é que eu tenho a certeza que ela não estava ali, naquele lugar, quando eu viera conhecer o imóvel, dias atrás. A curiosidade aguça meus sentidos de mulher e de escritora e me aproximo. Está trancada e não há como abri-la. Mas eu não desisto. E retirando um grampo dos cabelos, alcanço o meu objetivo.
À minha frente, a caixa aberta exala um odor insuportável, de morte… Dentro dela, um velho caderno e um lençol, coberto de sangue seco. Aproximo meu rosto e solto um grito quando ouço o farfalhar crocante de muitas baratas que se espalham pelo chão. Eu me pergunto por quanto tempo aqueles asquerosos seres sobreviveram dentro da caixa fechada. Aproximo-me mais e vejo que rabiscado no caderno, está escrito Halina Reis.
Recordo-me que me contaram que Helena e Halina eram irmãs e sumiram das redondezas, fazendo todos pensarem que haviam viajado para a casa de seus pais, que moravam num pequeno sítio, esquecido pelo tempo. O tempo passara, a casa fora considerada um bem público e fora vendida a mim em leilão.
Aquele caderno era então, o diário de Halina. Cada vez mais interessada por ele, abro e começo a ler. As páginas amareladas e salpicadas de bolor dificultam a compreensão. Mas eu sinto um arrepio esquisito e velho conhecido meu. Costumeiramente, eu sinto presenças do meu lado esquerdo. E aquela me deu o discernimento de ler com absoluta clareza o que no caderno estava escrito à mão. E assim era a narrativa, em terceira pessoa:
O fogo tremulava, quase vermelho em suas chamas arabescas, enquanto a cera negra escorria lentamente na superfície da vela. À sua frente, a silhueta branca de Helena, ruiva, jovem e nua, segurava nas mãos um canivete afiado. A mão direita tremia, ao aproximar a lâmina do pulso esquerdo. Mas não havia como desistir. Pactos não podem ser quebrados. Jamais.
E Helena prometera seu sangue, em troca do amor de um homem que nem ao menos conhecia. Aquele homem aparecia em seus sonhos, desde que ela era uma menina. A ele prometera a vida e a pureza de uma alma que ela não sabia, mas era negra desde a criação do universo, antes que o primeiro espírito recebesse corpo, além da alma.
Em frente a meu computador, começo agora a escrever a história de Helena e Halina, já que depois de uma década em que a casa onde elas moravam estava fechada, eu a comprei, através de um leilão de imóveis desapropriados. Na verdade, eu estava cansada da cidade grande e aquela casa fechada, numa cidade histórica do interior de Minas Gerais, despertou meu interesse. Pelo aspecto antigo e pelo preço muito baixo.
Meus móveis estão sendo postos nos devidos lugares e eu estou aproveitando para conhecer melhor a casa. Então eu acabo por encontrar uma caixa. O que me impressiona no fato é que eu tenho a certeza que ela não estava ali, naquele lugar, quando eu viera conhecer o imóvel, dias atrás. A curiosidade aguça meus sentidos de mulher e de escritora e me aproximo. Está trancada e não há como abri-la. Mas eu não desisto. E retirando um grampo dos cabelos, alcanço o meu objetivo.
À minha frente, a caixa aberta exala um odor insuportável, de morte… Dentro dela, um velho caderno e um lençol, coberto de sangue seco. Aproximo meu rosto e solto um grito quando ouço o farfalhar crocante de muitas baratas que se espalham pelo chão. Eu me pergunto por quanto tempo aqueles asquerosos seres sobreviveram dentro da caixa fechada. Aproximo-me mais e vejo que rabiscado no caderno, está escrito Halina Reis.
Recordo-me que me contaram que Helena e Halina eram irmãs e sumiram das redondezas, fazendo todos pensarem que haviam viajado para a casa de seus pais, que moravam num pequeno sítio, esquecido pelo tempo. O tempo passara, a casa fora considerada um bem público e fora vendida a mim em leilão.
Aquele caderno era então, o diário de Halina. Cada vez mais interessada por ele, abro e começo a ler. As páginas amareladas e salpicadas de bolor dificultam a compreensão. Mas eu sinto um arrepio esquisito e velho conhecido meu. Costumeiramente, eu sinto presenças do meu lado esquerdo. E aquela me deu o discernimento de ler com absoluta clareza o que no caderno estava escrito à mão. E assim era a narrativa, em terceira pessoa:
O fogo tremulava, quase vermelho em suas chamas arabescas, enquanto a cera negra escorria lentamente na superfície da vela. À sua frente, a silhueta branca de Helena, ruiva, jovem e nua, segurava nas mãos um canivete afiado. A mão direita tremia, ao aproximar a lâmina do pulso esquerdo. Mas não havia como desistir. Pactos não podem ser quebrados. Jamais.
E Helena prometera seu sangue, em troca do amor de um homem que nem ao menos conhecia. Aquele homem aparecia em seus sonhos, desde que ela era uma menina. A ele prometera a vida e a pureza de uma alma que ela não sabia, mas era negra desde a criação do universo, antes que o primeiro espírito recebesse corpo, além da alma.