Lembro bem a primeira vez que fiquei desconfortável com um espelho. Foi ainda criança, na casa dos meus avós. Em um final de tarde de domingo, em uma típica reunião de família, todos tomavam chá na sala e conversavam animadamente suas conversas de adultos. Entediado, me esgueirei do recinto e fui explorar a casa, que era escura e repleta de móveis antigos. Percorri um longo corredor e me deparei com a escada que levava ao segundo andar. Foi nesse momento que ouvi meu nome ser chamado.
— Marquinho, você está aí? — A voz vinha de longe, mas era bem nítida e sobressaía entre os ecos da conversa animada que vinha dos adultos da sala.
— Quem é? — Falei de volta, mas ainda com receio de subir as escadas.
— Marquinho! — A voz insistiu. E dessa vez eu percebi que era a voz de uma criança. Seria algum primo meu? Alguma criança da vizinhança? Será que ele se escondeu lá em cima numa brincadeira de esconde-esconde? Pensei sobre essas instigantes possibilidades sem ao menos me dar conta de que eram pouco prováveis. Tomado pela ideia de que havia outra criança na casa eu subi correndo as escadas, consciente de que meus pais haviam me dito para ficar apenas no térreo.
Quando cheguei ao segundo andar me deparei com um corredor escuro, iluminado apenas por uma pequena janela circular que ficava numa parede distante. Haviam muitas portas, umas fechadas, outras abertas. Andei sem rumo até chegar no quartinho da “bagunça”, lugar onde meus avós guardavam tudo aquilo que eles não usavam, mas que não queriam se desapegar por completo. Não sei por que o lugar me atraiu, já que era sombrio e tomado de velharias.
Foi aí que ouvi de novo:
— Marquinho, você está aí? — A vozinha de criança soou de novo e vinha do fundo do quartinho da bagunça.
Fiquei com a impressão de que a voz do misterioso menino — Sim, era uma voz masculina — Parecia vir de um dos cantos, onde se encontravam grandes móveis de madeira. Um lugar perfeito para se esconder, logo pensei. Mas não para quem tem bons ouvidos como eu. Cheio de curiosidade e animado com a brincadeira, entrei com dificuldade em meio a muitas caixas e tralhas, até me deparar com um enorme espelho antigo. Fiquei olhando atento o meu reflexo nele, me divertindo ao observar naquela moldura, o mundo invertido com toda a bagunça que havia no quarto.
— Marquinho? — O menino misterioso devia estar atrás daquele grande espelho pois a voz soava mais nítida que nunca.
Mas quando dei a volta no móvel eu percebi que não havia nada lá. Me abaixei até encostar meu rosto no chão, para ver por baixo da escrivaninha que sustinha o espelho. Nenhum menino.
— Marquinho! — A voz veio de tão perto que fiquei assustado.
Recuei e fiquei novamente de frente ao espelho, certo de que o som vinha dele. Não consegui raciocinar direito e apenas decidi procurar as respostas no reflexo. Olhei para o meu próprio rosto, que parecia assustado e ofegante. Além de mim, uma infinidade de objetos podiam ser vistos, candelabros, cadeiras, baús e velhos objetos que eu nem sabia bem o que eram. Mas de repente percebi que havia uma coisa errada alí. No fundo da imagem, parecendo uma mancha escura na parede do fundo, vi os contornos de uma pessoa. Era pequena, como uma criança, e olhava fixamente para mim com seus olhos incrivelmente brancos. Com excessão dos olhos, seu corpo todo era de uma negrura estranha, fazendo com que suas roupas e pele parecessem fundidos no mesmo material escuro, algo como um piche viscoso. Voltei-me para tentar encontra-lo no mundo real, mas ele não estava ali. Fitei novamente o espelho e lá permanecia o estranho menino, que olhando com mais atenção tinha a mesma altura e feições muito parecidas com as minhas. Com um medo irracional, sai correndo do quarto, derrubando caixas e livros velhos pelo caminho. Quando passei pelo batente da porta, ouvi de novo o meu nome ser chamado, mas dessa vez fui tomado pelo horror de finalmente entender que aquela voz era idêntica a minha.
Lembro bem a primeira vez que fiquei desconfortável com um espelho. Foi ainda criança, na casa dos meus avós. Em um final de tarde de domingo, em uma típica reunião de família, todos tomavam chá na sala e conversavam animadamente suas conversas de adultos. Entediado, me esgueirei do recinto e fui explorar a casa, que era escura e repleta de móveis antigos. Percorri um longo corredor e me deparei com a escada que levava ao segundo andar. Foi nesse momento que ouvi meu nome ser chamado.
— Marquinho, você está aí? — A voz vinha de longe, mas era bem nítida e sobressaía entre os ecos da conversa animada que vinha dos adultos da sala.
— Quem é? — Falei de volta, mas ainda com receio de subir as escadas.
— Marquinho! — A voz insistiu. E dessa vez eu percebi que era a voz de uma criança. Seria algum primo meu? Alguma criança da vizinhança? Será que ele se escondeu lá em cima numa brincadeira de esconde-esconde? Pensei sobre essas instigantes possibilidades sem ao menos me dar conta de que eram pouco prováveis. Tomado pela ideia de que havia outra criança na casa eu subi correndo as escadas, consciente de que meus pais haviam me dito para ficar apenas no térreo.
Quando cheguei ao segundo andar me deparei com um corredor escuro, iluminado apenas por uma pequena janela circular que ficava numa parede distante. Haviam muitas portas, umas fechadas, outras abertas. Andei sem rumo até chegar no quartinho da “bagunça”, lugar onde meus avós guardavam tudo aquilo que eles não usavam, mas que não queriam se desapegar por completo. Não sei por que o lugar me atraiu, já que era sombrio e tomado de velharias.
Foi aí que ouvi de novo:
— Marquinho, você está aí? — A vozinha de criança soou de novo e vinha do fundo do quartinho da bagunça.
Fiquei com a impressão de que a voz do misterioso menino — Sim, era uma voz masculina — Parecia vir de um dos cantos, onde se encontravam grandes móveis de madeira. Um lugar perfeito para se esconder, logo pensei. Mas não para quem tem bons ouvidos como eu. Cheio de curiosidade e animado com a brincadeira, entrei com dificuldade em meio a muitas caixas e tralhas, até me deparar com um enorme espelho antigo. Fiquei olhando atento o meu reflexo nele, me divertindo ao observar naquela moldura, o mundo invertido com toda a bagunça que havia no quarto.
— Marquinho? — O menino misterioso devia estar atrás daquele grande espelho pois a voz soava mais nítida que nunca.
Mas quando dei a volta no móvel eu percebi que não havia nada lá. Me abaixei até encostar meu rosto no chão, para ver por baixo da escrivaninha que sustinha o espelho. Nenhum menino.
— Marquinho! — A voz veio de tão perto que fiquei assustado.
Recuei e fiquei novamente de frente ao espelho, certo de que o som vinha dele. Não consegui raciocinar direito e apenas decidi procurar as respostas no reflexo. Olhei para o meu próprio rosto, que parecia assustado e ofegante. Além de mim, uma infinidade de objetos podiam ser vistos, candelabros, cadeiras, baús e velhos objetos que eu nem sabia bem o que eram. Mas de repente percebi que havia uma coisa errada alí. No fundo da imagem, parecendo uma mancha escura na parede do fundo, vi os contornos de uma pessoa. Era pequena, como uma criança, e olhava fixamente para mim com seus olhos incrivelmente brancos. Com excessão dos olhos, seu corpo todo era de uma negrura estranha, fazendo com que suas roupas e pele parecessem fundidos no mesmo material escuro, algo como um piche viscoso. Voltei-me para tentar encontra-lo no mundo real, mas ele não estava ali. Fitei novamente o espelho e lá permanecia o estranho menino, que olhando com mais atenção tinha a mesma altura e feições muito parecidas com as minhas. Com um medo irracional, sai correndo do quarto, derrubando caixas e livros velhos pelo caminho. Quando passei pelo batente da porta, ouvi de novo o meu nome ser chamado, mas dessa vez fui tomado pelo horror de finalmente entender que aquela voz era idêntica a minha.